A gratuidade do ensino básico em Cabo Verde – desinformação e desafios

PorEdisângela Tavares,8 set 2024 7:59

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O início do ano lectivo é um período crítico para muitas famílias em Cabo Verde e a gratuidade do ensino básico alivia o peso financeiro das famílias. No entanto, a realidade nas escolas da Cidade da Praia demonstra alguma desinformação sobre esta política, com muitos pais enfrentando cobranças inesperadas e falta de clareza sobre o que é realmente gratuito. Ao Expresso das Ilhas, o director nacional da Educação, Adriano Moreno, explicou que as contribuições voluntárias não são obrigatórias e devem ser acordadas em reuniões formais no Conselho Escolar, onde há a representação de pais e professores.

Desinformação e taxas não clarificadas

Em conversa com o Expresso das Ilhas, uma mãe que preferiu não se identificar, residente no bairro de Ponta d’Água, na Praia, afirmou que no ano lectivo de 2020/2021, foi cobrada uma quantia de 950 escudos na escola básica da sua comunidade, uma cobrança que ela foi informada ser referente à matrícula e à caixa escolar. No ano lectivo seguinte, quando o filho se mudou para uma escola que vai do quinto ao nono ano, foi-lhe cobrado um valor de 550 escudos, alegadamente para matrícula e caixa escolar. Esta mãe explicou que, ao matricular seu filho na sexta classe na escola Básica de Achada São Filipe, foi-lhe solicitado um valor simbólico de 50 escudos, mas na matrícula do 7º ano de escolaridade deste ano lectivo, não foi cobrado nenhum valor.

“Na matrícula não foi solicitado nenhum valor, nem da matrícula nem da caixa escolar, nem nada. A informação que foi passada é que a matrícula renova-se automaticamente e que no início das aulas é só ir certificar se o nome consta da lista dos alunos, verificar as salas e turmas correctas.”

Quando questionada se alguma vez lhe foi explicado que a matrícula é gratuita, e que as quantias cobradas poderiam ser contribuições opcionais, ela afirmou que “nós temos de ter disponível a quantia exigida, caso contrário não é feita a matrícula. Na primeira escola, a professora mandava recados para os pais de que em todos os trimestres deveria ser paga a quantia de 300 escudos, que seria o dinheiro para as fotocópias e as provas, também seria uma contribuição para as coisas que os alunos necessitassem e, em vez de estar toda a hora a pedir pequenas quantias, esse valor comportaria todas as despesas.”

Cobranças e falta de transparência

Janice (nome fictício), cuja filha estuda numa escola próxima do centro da Cidade da Praia, compartilhou sua experiência com as taxas escolares. Ela revelou que, ao fazer a matrícula da filha, pagou 1.200 escudos.

“Já fiz a matrícula duas vezes nesta escola, mas em nenhum momento foi-me fornecido um recibo. Nunca antes tinham explicado para que fim era o valor de 1.200 escudos. Desta vez, por conta de uma reclamação, foi-me explicado que o valor de 500 escudos é referente à matrícula e 700 escudos é uma ajuda para a escola se manter, porque só a ajuda da FICASE não chega. Este valor seria para ajudar com os itens de higiene e reforço da alimentação, segundo a explicação da professora. Esta explicação foi feita no grupo de pais e encarregados de educação, depois de eu ter feito a reclamação e questionado o porquê de tanta solicitação de contribuição. Isso porque tive orientação de uma pessoa que explicou que a matrícula escolar é gratuita.”

Esta mãe contou que em seguida a professora disse que poderia fazer o levantamento do valor de 700 escudos, que não é obrigatório, mas a matrícula seria no valor de 500 escudos.

“Nunca tinham explicado antes o fim dessa quantia. Pagamos 500 escudos para fotocópias a cada trimestre e 70 escudos para provas. No início das aulas, contribuímos com itens de higiene e materiais didáticos. No fundo não sei para que fim essa quantia de 1.200 escudos é cobrada, se ao longo do ano fazemos essas contribuições.”

Helena, cuja filha estuda numa escola do ensino básico nos arredores do centro da Cidade da Praia, revelou um panorama similar. “No ano lectivo 2023/2024, paguei 1.800 escudos, este ano 2024/2025 paguei 1.720 escudos, sendo 500 escudos para a matrícula e 1.220 escudos para as despesas da escola, a denominada caixa escolar. Na altura da matrícula, informei que sou do grupo 2 do Cadastro Social Único (CSU), disseram que o CSU não serve para matricular. Nunca me foi passada a informação de que a matrícula é gratuita para o ensino básico.” Essa mãe ainda comentou que, ao longo do ano, paga 400 escudos para fotocópias e compra materiais para actividades escolares.

Numa ronda pelo Platô, abordamos ainda várias pessoas que estão em busca de materiais escolares para os seus educandos iniciarem o ano lectivo no dia 16 de Setembro. Uma encarregada de educação realçou que estão sempre a pedir pequenas quantias, mas chegaram a um acordo com os professores para pagar uma quantia por trimestre para comportar todos os gastos dos alunos ao longo do ano lectivo.

“O meu filho estuda numa escola de ensino básico de Achada Grande, ali foi-me explicado que a quantia solicitada na matrícula serve como um fundo para quando houver uma actividade escolar que poderá ser usada sem estar a pedir mais contribuições inesperadas aos encarregados de educação. Mas o gestor da escola deixou bem claro que a matrícula é totalmente gratuita. Esse valor cobrado comporta as actividades ou visitas de estudo durante o ano inteiro. Mas em outras escolas isso não acontece. Tenho uma vizinha a quem foi cobrado 850 escudos para fazer a matrícula da criança. Na altura ela não tinha a quantia, estava a passar por dificuldades, então teve que pedir ajuda para poder matricular a sua filha que é órfã de pai, mas em nenhum momento a escola explicou que a matrícula é gratuita. O filho estuda numa das escolas mais afastadas do centro da Cidade da Praia, numa das comunidades onde foi construído o complexo de casas sociais, ‘Casa para todos’. Hoje ela está a enfrentar dificuldades para comprar os materiais escolares.”

Na mesma abordagem, falamos com uma mãe, cujo filho estuda em Achada Santo António, uma escola do EBI. Segundo o seu relato, “nós pagamos 550 escudos para a renovação da matrícula. No ano lectivo 2023/2024 paguei a quantia de 550 escudos. Ao longo do ano, é frequentemente solicitado pequenas quantias de 50, 20 e 70 escudos aos alunos. Nunca foi explicado que a matrícula é gratuita, acabei de saber agora dessa informação.”

Director Nacional da Educação esclarece

Em conversa com este semanário, o Director Nacional da Educação, Adriano Moreno, abordou a gratuidade do ensino. Este respossável explicou que a gratituidade no ensino básico abrange várias dimensões. De acordo com o director nacional, a gratituidade traduz-se, primeiramente, na isenção de propinas para os alunos do ensino básico, o que significa que estes alunos não pagam propinas, taxas, emolumentos ou pagamento de certificados.

“A gratuidade no ensino básico traduz-se, primeiro, na isenção de propinas. Os alunos do ensino básico não pagam propinas, igualmente traduz-se na isenção de pagamento de taxas, emolumentos e pagamento de certificados. Os alunos do ensino básico não fazem esses pagamentos.”

Adriano Moreno detalhou ainda que esta gratuidade também inclui a alimentação escolar e o transporte para alunos deslocados de suas localidades para escolas limítrofes. No entanto, o director nacional da Educação abordou a questão das contribuições voluntárias, que muitas vezes são confundidas com taxas obrigatórias.

“A Lei de Bases diz que a frequência escolar é também suportada pelo Estado e pelas famílias. A contribuição das famílias entra aí. Portanto, não há nenhuma taxa que é cobrada, a escola precisa de fotocópias ou de testes ou de qualquer outra ordem, solicita comparticipação das famílias.”

Sobre a regulamentação dessas contribuições, Moreno esclarece: “Depende muito das escolas pedirem contribuição dos pais. Por exemplo, há a questão da refeição quente. Para poderem ter uma refeição mais equilibrada, há escolas que pedem uma contribuição de 50 escudos, uma vez por mês, durante um ano: vai dar uma média de 500 escudos. Mas atenção, isto é feito, em fórum próprio, no conselho escolar, onde há a representação de pais e professores.”

Este responsável ressaltou que as contribuições voluntárias não são obrigatórias e devem ser acordadas em reuniões formais: “De acordo com as partes, mas nunca é obrigatório. Os pais que quiserem, contribuem, os que não quiserem, não contribuem. As partes assinam. Claro, há sempre um documento que elabora uma acta da reunião do conselho escolar, onde se diz que a escola fica autorizada a cobrar esta taxa aos pais, porque no conselho escolar também estão lá representados os pais encarregados de educação.”

Sobre as despesas das escolas, Adriano Moreno afirmou que estas são asseguradas pelo governo através do Ministério da Educação e explicou: “O Ministério da Educação é quem paga os encargos com guardas, com o apoio operacional, portanto, as senhoras que fazem a limpeza, água, eletricidade, internet, isto tudo é pago com recursos do Estado.”

Transporte Escolar/CSU

No que diz respeito à melhoria do transporte escolar para as comunidades onde as escolas estão mais afastadas, Adriano Moreno observou que as câmaras municipais estão investindo em melhorias: “Várias câmaras municipais têm apostado na aquisição de viaturas próprias para o transporte escolar. Algumas já conseguiram, outras vão tentando e vão trabalhando para ter transporte adequado para os alunos. E não transportar os alunos em carinhas de boca aberta, por exemplo.”

O Ministério da Educação informou, no dia 30 de Agosto, que para os alunos do ensino básico que fazem parte dos grupos 1 e 2 do Cadastro Social Único (CSU), os manuais escolares serão distribuídos gratuitamente, integrando os kits escolares. Adriano Moreno confirmou que “mediante prova de que estão inscritas no cadastro social, no grupo 1 e 2, os manuais estarão disponibilizados pela FICASE nos respectivos Conselhos. As escolas providenciam a lista dos alunos que estão inscritos no CSU nível 1 e 2, neste momento a lista já foi solicitada pela FICASE e mediante essa lista os materiais serão disponibilizados.”

De acordo com a Lei n.º 45/V/2013, que estabelece a Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino em Cabo Verde: Isenção de Propinas e Taxas: A gratuidade no ensino básico inclui a isenção de propinas, taxas e emolumentos. Os alunos do ensino básico não devem pagar taxas para matrícula, certificados ou outros emolumentos. Contribuições Voluntárias: As contribuições das famílias são permitidas para cobrir despesas adicionais, mas devem ser acordadas em fóruns apropriados, como o conselho escolar. Essas contribuições não são obrigatórias e devem ser solicitadas de forma transparente.

Durante a elaboração desta reportagem, tentamos estabelecer contacto com diversas escolas de ensino básico na capital do país para obter informações adicionais e perspectivas sobre a questão da gratuidade do ensino básico. No entanto, apesar das nossas múltiplas tentativas de comunicação, incluindo telefonemas e e-mails, não obtivemos respostas ou cooperação por parte das instituições contactadas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1188 de 4 de Setembro de 2024.

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Autoria:Edisângela Tavares,8 set 2024 7:59

Editado porSara Almeida  em  7 dez 2024 23:27

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