“Temos um país mais resiliente que foi colocado a toda a prova”

PorAntónio Monteiro,3 ago 2024 8:56

Ulisses Correia e Silva, Primeiro-ministro
Ulisses Correia e Silva, Primeiro-ministro

No dia em que o Parlamento debate o estado da Nação, que marca o término do ano político, Ulisses Correia e Silva, traça o retrato de um país hoje mais resiliente depois de ter sido posto à prova pela pandemia da Covid-19 e pela crise inflacionista, provocada pela guerra na Ucrânia. O Primeiro-ministro considera que o país soube fazer face a estas crises, ressaltando o crescimento económico que o país registou nos últimos dois anos pós-pandemia. “Mas não é apenas o crescimento económico. É um crescimento económico com redução do desemprego, redução da taxa da pobreza, acompanhada de políticas inclusivas e activas de empregabilidade e de inclusão e protecção social, o que demonstra que conseguimos fazer face a situações difíceis; conseguimos recuperar, estamos a relançar a economia e há um sentimento de confiança positivo, não só a nível externo, mas também dentro de Cabo Verde”, ressalta. O Chefe do Executivo diz esperar deste estado da Nação um debate clarificador, com menos fricção e com apresentação de alternativas políticas por parte da oposição.

Sr. Primeiro-ministro, o que espera deste debate sobre o estado da Nação?

Bom, espero que seja um debate clarificador. Os debates parlamentares têm sido debates com muita fricção e com pouca apresentação de alternativas, com pouca apresentação de políticas. Quem está na oposição tem o papel de não só criticar, mas também de se apresentar como alternativa à governação. Isto não tem acontecido nos debates parlamentares e espero que neste debate do estado da Nação, que é um debate de fundo, relativamente não só à situação do país, mas também em relação às políticas, às estratégias e àquilo que será também o próximo futuro. Vamos ver se conseguimos um debate diferente desta vez.

Senão vai ser o déjà vu.

Exactamente, e não por culpa do governo. Nós temos estado sempre a fazer debates no sentido de colocarmos em evidência aquilo que tem sido as realizações, as políticas, as estratégias de desenvolvimento do país e os contextos que têm estado a afectar o país e o mundo inteiro, mas sempre numa perspectiva positiva de criar dinâmicas que possam alavancar o processo de desenvolvimento do país, mesmo em situações de contextos difíceis, como o que nós vivemos nos últimos anos.

Que país temos em Julho de 2024, ou seja, no final deste ano político?

Temos um país mais resiliente que foi colocado a toda a prova. A pandemia da Covid-19 não aconteceu no século passado. Aconteceu em 2020 com impactos em 2021 e ainda em 2022. Foi a pior crise económica, social, sanitária e humanitária desde a Segunda Guerra Mundial. Isto é válido para o resto do mundo e para Cabo Verde, particularmente para os países menos desenvolvidos. Depois, em 2022, com a crise inflacionista, provocada pela guerra na Ucrânia, acabou por criar condições muito gravosas. Mas Cabo Verde soube fazer face a essas crises, através de políticas assertivas do governo: nós evitamos o colapso do sistema de saúde, em primeiro lugar, salvando vidas. Depois protegemos pessoas, rendimentos, emprego, protegemos empresas e conseguimos uma boa recuperação. Um país que sofreu uma contracção económica de 20,08%, em 2020, e recuperou, em 2021 e 2022 somando essa recuperação para mais de 24%. Portanto, em dois anos, mais que ultrapassamos a contração. Isto é de assinalar. Internacionalmente está assinalado como um grande percurso de desempenho económico de Cabo Verde. Mas não é apenas o crescimento económico. É um crescimento económico com redução do desemprego, redução da taxa da pobreza, acompanhada de políticas inclusivas e activas de empregabilidade e de inclusão e protecção social, o que demonstra que, primeiro: conseguimos fazer face a situações difíceis; conseguimos recuperar, estamos a relançar a economia e há um sentimento de confiança positivo, não só a nível externo, mas também dentro de Cabo Verde, relativamente às nossas possibilidades. Eu gostaria de sinalizar isso, porque é importante para as próximas fases. É que o país foi colocado à prova, conseguiu recuperar, relançar e tem condições para acelerar o seu processo de desenvolvimento.

Com o que acaba de dizer, fica-se com a impressão de que é um melhor gestor de crises, do que da normalidade.

As crises são para serem geridas e para serem geridas com assertividade. E nós as gerimos. Mas não foi só gerir as crises. É gerir as crises para sairmos mais resilientes e com melhores condições de prosseguir o processo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo que nós montamos todo o sistema de protecção de pessoas, de empresas, do emprego, do rendimento, da saúde, estávamos a investir na educação, continuamos a investir em infraestruturas, na requalificação urbana e ambiental, na melhoria de infraestruturas como portos, nomeadamente a construção do Porto do Maio, em infraestruturas de apoio ao turismo como o Terminal de Cruzeiros do Mindelo. Portanto, um conjunto de acções que foram sendo desenvolvidas à medida que nós íamos fazendo a protecção do país relativamente às crises. E isso é, de facto, de considerar, porque não só conseguimos recuperar, relançar, mas também tornar o país em condições de continuar o seu processo de desenvolvimento.

Relativamente à segurança pública, que é um bom barómetro também para o bem-estar de uma nação, temos em 2024 um país mais seguro?

Temos um país com menos ocorrências criminais, os dados demonstram isso. Temos um país com desafios de segurança pública, mas que vem vencendo. Estou a falar particularmente lá onde nós temos tido mais níveis de ocorrência que é na Cidade da Praia, tem havido diminuição e tem havido também a redução da percpeção de insegurança por parte das pessoas. É só ver o último relatório do INE relativamente à questão da insegurança. Isto é fruto do trabalho, da acção policial, da acção judicial, nomeadamente a questão da eliminação ou redução da impunidade. É fruto do trabalho também da prevenção social e comunitária. Temos muitas associações a trabalharem, a fazer o trabalho de formiguinha, a promover a inclusão dos jovens, a trabalhar no sentido de evitar que os seus bairros sejam transformados em espaços de proliferação de situações de delinquência juvenil. Temos as igrejas e as famílias a trabalharem... Portanto, não é só o governo, a ação policial e a ação judicial. É a sociedade a se comprometer para podermos reduzir significativamente o nível de acção criminal e o nível da percepção para as pessoas sentirem que estão num país seguro. E eu reafirmo que Cabo Verde é um país seguro, as nossas ilhas são seguras, mas temos situações de criminalidade, de violência, que estão associadas a alguns fenómenos: o álcool, a droga e situações de violência urbana envolvendo particularmente os jovens. Então, é dentro dessa perspectiva que nós estamos também a trabalhar, incluindo a questão das armas. Nós aprovamos uma nova lei de armas e de munições, precisamente para ser muito mais rigoroso e mais forte no controlo de eventual entrada de armas e munições no país e no seu uso, incluindo aquilo que antes tinha um nível de penalização muito baixo. A questão de boka-bedju, arma de fabrico artesanal, que hoje tem uma moldura penal muito mais forte. Toda esta acção é no sentido de garantirmos que, trabalhando nessas vertentes todas, na prevenção, na acção social, comunitária, familiar, e trabalhando particularmente junto das acções dos jovens, e trabalhando no sentido das nossas cidades, particularmente aqui na Cidade da Praia, serem espaços que criem o sentido de ordem, desde a questão da pequena violência que depois gera violência mais grave, a questão do cumprimento dos horários do funcionamento dos estabelecimentos, particularmente os noturnos, a questão dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas e garantir que o façam dentro dos horários e das condições permitidas pelos regulamentos, a questão do ruído, a questão de ajuntamentos que às vezes vão até madrugada dentro, que se proliferam um bocado pelos bairros. Isto são factores de autoridade municipal, que, às vezes, não se leva muito em conta, mas que geram terrenos férteis para a violência diária, e essa vivência diária depois transforma-se em ambientes favoráveis para a criminalidade. Portanto, nós temos que agir, e temos estado a agir dentro de todas essas vertentes, mas os municípios têm que fazer muito mais. Estou a falar particularmente aqui na Cidade da Praia, relativamente à questão de criar um ambiente mais distendido, um ambiente mais saudável da convivência das pessoas e do sentido do cumprimento de normas e de regras.

Passando ao capítulo da economia. Em que áreas o Governo acredita ter feito os maiores progressos?
O Governo tem tido políticas muito proativas de crescimento económico, portanto um ambiente favorável para atrair investimentos quer nacionais, quer estrangeiros, para promoção de atividade empreendedora no país e fomentar actividade produtiva. Isto é um factor importante. Os dados demonstram que antes da pandemia tínhamos estado a fazer um crescimento bom, com a pandemia quebrou muito. Recuperamos depois da pandemia e há uma tendência positiva daqui para o futuro. Depois toda a política relacionada com aquilo que nós temos que entregar às pessoas –emprego, rendimento, eliminação da pobreza extrema, redução da pobreza absoluta. E temos tido também políticas assertivas e resultados também que são positivos e encorajadores relativamente àquilo que é a perspectiva da tendência futura. Temos estado a reduzir o desemprego, nós não estamos ainda no nível que queremos, porque queremos atingir em 2026 menos de 10% do desemprego. Não estamos ainda no nível da taxa de pobreza que nós queremos, porque queremos atingir em 2026 à volta de 20% da pobreza absoluta e reduzir drasticamente para tender para zero a pobreza extrema e com políticas muito assertivas, sempre na perspectiva de termos um melhor nível de qualidade de vida das pessoas. Portanto, dentro desse pacote de respostas que tocam as pessoas são aspectos, que eu digo, positivo, mas que são ainda desafios para os próximos tempos e na perspectiva de melhorarmos ainda mais. Um dos factores que nós temos e que ainda funcionam como um grande condicionamento são os transportes: temos estado a melhorar, apesar de muita acção sobre o sector dos transportes. Quando vemos o ponto de partida de 2016, e vemos hoje, constatamos que há progressos. Em 2016, estávamos em colapso total, particularmente dos transportes aéreos. Hoje conseguimos estabilizar, recuperar, pôr a TACV a funcionar, a fazer voos internacionais, recuperar as condições para o transporte aéreo inter-ilhas, mas não estamos ainda num período e num processo óptimo, mas estamos a pensar que nos próximos tempos poderemos melhorar significativamente, nomeadamente, os transportes inter-ilhas, que é ainda um grande desafio.

O que reconhece não ter conseguido ainda neste mandato?

O mandato ainda continua até 2026. O que eu digo é que o desafio que nós temos mais premente neste momento é, depois da estabilização do sistema de transportes, garantir que este possa ser um impulsionador do desenvolvimento, nomeadamente local, com mais ligações inter-ilhase mais previsibilidade. Estou a falar dos transportes marítimos, dos transportes aéreos e mais conectividade externas, para que o sector dos transportes deixe de ser um constrangimento ao processo de desenvolvimento local, regional e nacional do país. Esse tem sido, de facto, o grande constrangimento que nós queremos ultrapassar.


Há falta de vontade política em resolver definitivamente o problema das ligações marítima e aérea inter-ilhas?

O problema das ilhas já de per si é um problema que impõe desafios fortes ao sistema de transportes. Depois, nós estamos a falar de ilhas de uma forma não harmonizada. Nem todas têm o mesmo número de população e estamos a falar de ilhas de um país ainda com um nível de rendimento médio-baixo. Isso significa que o custo dos transportes sendo relativamente alto, quando é para fazer percursos pequenos, nas ilhas com pequena população, com pequeno fluxo e com rendimento relativamente baixo, o desafio é ainda maior. Portanto, tem que haver políticas públicas e é isso que nós temos estado a fazer – não só de limitar o nível de preços, fazendo subsidiação cruzada das ilhas mais rentáveis e menos rentáveis, porque senão iria disparar tudo, fazendo a concessão de serviço público no caso dos transportes marítimos. Nós definimos quais são as regras, quais são as rotas e quais são as frequências. Nós vamos introduzir agora mais uma medida no sentido de criar regimes especiais para ilhas que nós chamamos de mercado diminuto. O caso de São Nicolau, o caso da ilha do Maio e o caso da Brava. São ilhas com pequena população, com fraca actividade económica ainda, nas quais rentabilizar, por exemplo, um voo é difícil se não houver subsidiação. Então, nós vamos introduzir um nível de subsidiação relativamente forte, que poderá andar entre os 40% e 50%. Estou a falar dos transportes aéreos inter-ilhas, de e para essas ilhas São Nicolau e Maio. No caso da Brava, serão transportes marítimos. No sentido de que com o transporte significativamente mais barato poderemos ter mais fluxos, mais pessoas a viajarem para essas ilhas. Quer sejam nacionais, quer sejam estrangeiros, turistas, ou da nossa diáspora. E havendo mais gente a ser transportada, melhor rentabilizaremos a ocupação quer dos aviões, quer dos barcos e, ao mesmo tempo, desenvolver essas ilhas e serem um atractivo para o turismo, quer interno, quer externo. Essa é uma das medidas que vai entrar brevemente em vigor para complementar a oferta em termos de transportes.

A questão das ligações inter-ilhas coloca o governo sob uma forte pressão. Acha que até o final do seu mandato irá conseguir resolver definitivamente este problema?

Vamos dar saltos significativos. Repare, hoje já estamos a operar com mais aparelhos a nível dos transportes interilhas. Estávamos com um aparelho, depois passou para dois e hoje temos três. às vezes há problemas de operacionalização - manutenção, avarias, o que cria problemas depois de se ter a quantidade suficiente para continuar a fazer as operações com normalidade. Portanto, foi adquerido umDash 8 de 50 lugares, o ATR da Air Senegal está a ser reparado para entrar novamente em funcionamento e temos o Global Aviation que está a prestar o serviço. A nossa perspectiva é que possamos aumentar ainda mais a oferta de voos, porque tem havido também um aumento da procura, nomeadamente da procura relacionada com o turismo interno, o que provoca ainda mais pressão. Então, isto é um bom sinal. Esse aumento da procura e nós temos que ajustar a oferta das companhias aéreas, neste caso aqui a TACV que está com os voos inter-ilhas, para podermos satisfazer essa procura e aumentar ainda mais a capacidade de termos ligações. E o nosso mercado não é um mercado fechado, não é de monopólio, companhias outras que têm o interesse em entrar no mercado cabo-verdiano, que está em crescimento no menos por causa do turismo, desde que obedeçam as condições estabelecidas pela reguladora, também serão devidamente analisadas.

Então passemos para um outro capítulo que também marcou o ano político: o relacionamento entre o Presidente da República e o Primeiro-ministro. Dois exemplos, a recepção no Sal do presidente Zelensky pelo PM e o veto do Presidente da República à proposta de nomeação de Felisberto Vieira como embaixador em Cuba. Como explica esses desencontros e divergências em matéria de política externa, dando a impressão que o país fala a duas vozes?

Não há desencontros, nem o país fala a duas vozes, relativamente à política externa. A política externa é uma responsabilidade do governo que a define e executa. O Presidente da República tem as suas competências, nomeadamente nomeia os embaixadores sob proposta do Governo. Outra coisa é aquilo que o Presidente da República diz, ou fala, que não se pode impedir que ele fale e que diga as coisas. Quando ele diz, se o Governo não estiver de acordo, o Governo também pronuncia-se. E nós temos estado a evitar fazer pronunciamentos públicos sobre questões que têm a ver com as relações institucionais com Presidente da República, precisamente para evitar criar essa imagem de que há divergências, há posicionamentos extremos entre um lado e outro. Por exemplo, a questão factual relativamente à visita de poucas horas do Presidente da Ucrânia. Isso foi devidamente explicado ao presidente da República. Houve um convite directo ao Primeiro-ministro do presidente Zelensky para o receber no Aeroporto do Sal. Acho que com as explicações dadas, isto ficou devidamente clarificado. A forma como o Presidente da República depois se expressou relativamente a essa matéria é da responsabilidade dele, não é da minha responsabilidade. Relativamente àquilo que se chamou de proposta, não foi uma proposta. Proposta é quando o governo, depois da auscultação ao Presidente da República, formaliza a proposta de nomeação do embaixador. Aquilo que aconteceu e que é público, porque o Presidente já se pronunciou sobre isso, é que houve uma auscultação, no sentido de se poder, havendo acordo, indicar Felisberto Vieira como embaixador para Cuba. Essa auscultação depois não teve consequência porque não houve um acolhimento favorável e o Presidente explicou os seus critérios e nós não transformamos isso num elemento nem de combate político, nem de conflito de posições relativamente a questões da política externa. Acho que esta matéria também está devidamente clarificada relativamente ao posicionamento do Governo e do Presidente da República.

Houve ainda o propósito do governo de avançar com Felisberto Vieira como Encarregado de Negócios em Havana, por não carecer de homologação presidencial?

Encarregado de Negócios, não. Repare, a auscultação era no sentido de Felisberto Vieira desempenhar um cargo de embaixador e não de Encarregado de Negócios.

Retrato social da Nação. O psicólogo Jacob Vicente e o líder comunitário Gerson Pereira, na Praia, e Salvador Mascarenhas, do movimento Sokols, fazem o retrato social de um país ainda demasiado pobre e deprimido, onde muitas famílias não têm comida em casa. Como está o governo a lidar com as questões de desigualdade social e da pobreza?

Primeiro, é opinião de pessoas. Não é lei, não é determinação e não está nada provado de que é a posição maioritária dos cabo-verdianos. Assim como essas pessoas têm essa posição, há pessoas com posições diferenciadas. Eu não sou analista para ir analisar essas opiniões porque poderão aparecer mais cem posições diferenciadas. Eu não vou fazer essa análise, em função daquilo que são posições de pessoas, relativamente à forma como entendem e como fazem a leitura das coisas. Por exemplo, dizer que Cabo Verde é um país deprimido, há que provar como chegaram a essa conclusão. Cabo Verde tem ainda níveis de pobreza, mas o importante é que nós temos estado a reduzir a pobreza, particularmente a pobreza extrema. São processos, não são decretos que se impõem para que se elimine a pobreza no dia seguinte. Depois é preciso ter em conta que também tivemos esse percurso que acabou por criar mais problemas relativamente à pobreza, quer a crise inflacionista, quer a crise da pandemia da Covid-19. O percurso que nós estamos agora a fazer é o da recuperação para podermos, de facto, chegar à eliminação da pobreza extrema e espero que possamos ter essa sintonia para o fazer. Por isso é que nós designamos que a pobreza extrema, a sua eliminação, deve ser um desígnio nacional. Porque não depende apenas das acções do governo. O governo lidera, define políticas, implementa, mas implementa também com a sociedade e com a participação social desde a própria pessoa, da família, das organizações da sociedade civil para termos uma convergência relativamente à necessidade de alterar este quadro. As políticas públicas têm sido muito assertivas. Repare, a taxa de cobertura da protecção social aumentou hoje em Cabo Vede de uma forma significativa. A taxa de cobertura da segurança social aumentou. O nível de pequenos negócios que antes eram praticamente todos informais, estão-se a formalizar e a garantir a sua protecção e inscrição na segurança social, que cria protecção actual e futura do rendimento das pessoas e, particularmente, face a situações de algumas dificuldades. Temos tido programas activos de política de emprego e de empregabilidade com impacto no emprego. Estamos numa posição óptima como nós queremos? Não estamos, nós estamos num processo que poderá caminhar para aí. Ao invés de as pessoas verem este lado, é como a teoria do copo meio cheio ou meio vazio.Há pessoas que veem sempre a parte negativa e ignoram qualquer parte positiva. Depois criam dinâmicas para passar a ideia de depressão, porque querem levar o entendimento para o lado negativo. Não veem que há dinâmicas que podem alterar e que estão a alterar a situação. Mas eu estou do lado mais positivo, porque é isso que depois contamina positivamente aquilo que é a vontade, a energia das pessoas para poderem ser também actores das transformações. Hoje, quando você encontra muitos jovens a entrar nos programas de empreendedorismo é porque acreditam, porque existem sistemas que permitem acreditar: desde a formação, qualificação, financiamento e fiscalidade favorável. Muitos desses jovens estão a criar condições para que possam resolver os seus problemas de vida, criar emprego para os outros e também dinamizar uma parte da actividade económica do país. Essas dinâmicas é que deveriam estar a ser impulsionadas no sentido de serem incentivadas e motivadas para podermos fazer essas alterações. A pobreza existe, Cabo Verde não é um país rico, é um país que lida secularmente com a pobreza, mas o importante é que estamos num processo que tende a reduzir significativamente o nível da pobreza.

Num artigo de opinião publicado num jornal da praça um analista político disse que Cabo Verde é um país com pouca sensibilidade social onde uma em cerca de três pessoas vive em situação de pobreza e de carência alimentar. De que dados dispõe para contrapor esta opinião?

Não vou fazer trabalho de contra-análise daquilo que os analistas dizem. Aquilo que eles dizem é da responsabilidade deles. Os dados que eu tenho é que a pobreza tem estado a reduzir, a taxa de cobertura da protecção social aumentou significativamente, duplicamos o nível de transferências sociais dirigidas às famílias em encargos com educação, saúde, energia e com água. Cabo Verde é um os países de África que têm maior nível de taxa de protecção social. Isso impacta a vida das pessoas, sim. Seria muito pior se não houvesse essas políticas. A questão que se coloca é se estamos ainda na posição de garantir que todas as famílias cabo-verdianas, que todas as pessoas estejam fora do quadro da pobreza. Não estamos nesse ponto. Estamos num processo, numa tendência que poderá fazer chegar lá, a reduzir de uma forma significativa a pobreza. Temos problemas de insegurança alimentar, ciclicamente. Estivemos melhor até 2019. Depois tivemos as crises que não podem ser ignoradas. Atingiu fortemente o nível de segurança social. Estamos a recuperar, independentemente de termos tido depois secas severas que as pessoas não contabilizam, não foi qualquer seca. Foi uma seca severa que produziu a quebra abrupta da produção agroalimentar que criou problemas na vida de várias famílias rurais. E provocou algum êxodo rural; o mais importante é ver se as políticas que estão a ser implementadas vão permitir com que possamos melhorar o nível de segurança alimentar. Eu digo, sim. Nós pusemos ênfase na questão da água porque não há agricultura sem água e não há produção de produtos agroalimentares para satisfazer alguma necessidade da segurança alimentar sem actividade agrícola de transformação. Estamos a pôr foco nisso. Os resultados também não acontecem de um dia para o outro. Mas é esse o caminho. Estou a falar de sanalização, de utilização de águas residuais, estamos a investir fortemente na eficiência da gestão da água, com rega gota-a-gota, onde o Estado subvenciona 50% dos custos. Agora introduzimos uma outra medida relativamente ao acesso a estufas com subvenção do Estado. É combater aquilo que a natureza nos entregou como um país seco, árido e exposto às mudanças climáticas. É com essas medidas, agora de uma forma sustentável, que vamos produzir, a prazo, a melhoria dessas situações que alguns retratam como fatalidade.

Têm-se verificado nos últimos anos situações de bloqueio nas câmaras municipais da Praia e de São Vicente. Porquê é que a tutela governamental não intervém?

Bom, problemas de gestão, a começar pela Praia. O não cumprimento das leis, o não cumprimento dos regulamentos é um problema judicial. Está em sede da justiça, incluindo situações de irregularidade na gestão financeira e de investimentos. Está em sede, portanto o Governo não vai entrar em intervenções concorrenciais. Aquilo que o Governo fez e tem estado a fazer em todos os municípios é a inspecção. Foi feita inspecção, quer na Câmara da Praia, quer em outras câmaras, para podermos também exercer aquilo que é a competência de fazer a verificação do cumprimento das condições legais. Estou a falar da inspeção financeira por parte da Inspeção Geral das Finanças e inspecção para a verificação da legalidade por parte do ministério da Coesão Territorial. Portanto, têm sido essas as intervenções. Esperamos que a justiça possa funcionar relativamente à verificação e à confirmação de situações de gravidade no funcionamento particularmente da Câmara Municipal da Praia.

Como vai ser o início do próximo ano lectivo se o governo ainda não chegou a um acordo com os sindicatos relativamente à aplicação do novo PCFR?

O governo não tem um problema com os professores. Os professores estão a ser representados através de sindicatos e há conversações e negociações que estão em curso. Aquilo que é o Plano de Carreiras, Funções e Remunerações (PCFR) apresenta vantagens evidentes de remuneração relativamente àquilo que é o plano actual relativamente ao estatuto do pessoal docente quer em relação aos professores de ensino básico e ensino secundário, quer em relação aos professores sem licenciatura: há uma evolução da alteração do montante salarial importante. Por exemplo, relativamente aos professores com licenciatura do ensino básico e do ensino secundário, do primeiro e segundo ciclo, se a memória não me falha, salta de 78.678 escudos para 91 mil escudos. Isso no ponto de partida. Depois há todo o processo de evolução. Em relação ao professor não licenciado, acho que mais que duplica: sai de 23.209 escudos para 55 mil escudos. Portanto, há uma proposta sobre a mesa, que é a aplicação do Plano de Carreiras, Funções e Remunerações com vantagens para os professores. Agora, a posição dos sindicatos: uns mais rígidos que outros. Esses posicionamentos devem ser tidos em conta, mas isto tem que ser convergência de posições. O Estado de Cabo Verde, o país e o Orçamento de Estado não podem comportar qualquer número que o sindicato possa querer impor. Porque depois como é que se vai pagar? Vamos aumentar impostos para aumentar os salários? Depois, quando o aumento do valor do salário do professor for de tal forma desequilibrado, vai desequilibrar também o dos médicos, vai desequilibrar o dos magistrados e outras funções que são importantes para o funcionamento do Estado, porque estamos a inflacionar tudo. Por isso tem que haver razoabilidade. O salto que está sendo feito com a aplicação do PCFR já é muito importante, para além da regularização das pendências, que está praticamente tudo resolvido, menos uma parte que tem a ver com o subsídio de não redução da carga horária que está a ser finalizada, um esforço muito grande de milhões de contos para regularizar situações que vinham desde 2008. Isso tem que ser posto depois sobre a mesa para saber que não há Estado nenhum, não há país nenhum, não há orçamento de Estado nenhum que não tenha limites. E ultrapassando drasticamente esse limite, depois os países são colocados perante que situações? Aumento drástico de impostos. É de se perguntar aos cabo-verdianos se querem também aumento de impostos por causa de reivindicações fora do normal ou o aumento da dívida. E o aumento da dívida depois é imposto futuro que todos vão ter que pagar. Portanto, é dentro desse quadro que nós temos que procurar ser razoáveis para que o sistema educativo possa funcionar, para que os professores possam trabalhar, para que os alunos, que são a razão de ser do sistema educativo e a comunidade educativa, sejam depois devidamente beneficiados pelo sistema de ensino.

Qual é a solução razoável para essas reivindicações, tendo em conta o início do próximo ano lectivo?

Espero que o próximo ano lectivo ocorra normalmente, porque há aqui uma responsabilidade perante os alunos, há uma responsabilidade perante os pais e encarregados de educação e há uma responsabilidade dos próprios professores. Os sindicatos têm a sua forma de funcionar, têm a sua forma de reivindicar, mas devem ser razoáveis relativamente às propostas que estão em cima da mesa. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1183 de 31 de Julho de 2024.

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Autoria:António Monteiro,3 ago 2024 8:56

Editado porJorge Montezinho  em  9 dez 2024 23:26

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