Ordem dos Advogados preocupada com declarações do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

PorAndré Amaral,26 mai 2024 14:32

Em entrevista no programa Café Central da RCV, Benfeito Mosso Ramos, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, defendeu que na Justiça, em Cabo Verde, “há um excesso de garantias”. Ordem dos Advogados já manifestou “profunda preocupação”.

“Eu não tenho dúvidas em dizer isso e, portanto, sei que esta afirmação vai ser passível de crítica, legítimas, de observações, mas, para mim, há um excesso de garantias no sistema judicial cabo-verdiano, na administração da justiça cabo-verdiana, que permite aos que têm meios suficientes protelar indefinidamente a tramitação dos processos”, disse Benfeito Mosso Ramos.

Para este magistrado, o facto de hoje em dia existirem várias instâncias judiciais – desde o Tribunal de primeira instância até ao Tribunal Constitucional – permite “a alguém percorrer todas essas instâncias” o que no seu entender “é permitir-lhe também protelar indefinidamente a execução das decisões. Porque não vale a pena a justiça proferir decisões se essas decisões não podem ser executadas tempestivamente”.

Além desta questão há um outro problema, defende o Presidente do STJ, “quando se dá a oportunidade a um arguido, particularmente aos arguidos que têm meios financeiros para isso, para exaurirem todas as instâncias de recurso, é evidente que ele tem nas suas mãos impedir a execução das decisões” e, continua, “esse é um problema”.

Na visão de Benfeito Mosso Ramos “já se conseguiu um progresso com a última reforma processual introduzida em Cabo Verde” ao ser introduzida a dupla conforme. “Isto é, neste momento um arguido é condenado numa pena que vai até 8 anos de prisão. Condenado na primeira instância. Ele recorre para o Tribunal de Relação. O Tribunal de Relação confirma essa decisão, ele já não pode recorrer mais”.

Também a questão da prisão preventiva foi alvo de atenção por parte do magistrado que lembrou que a Constituição “impõe que a prisão preventiva não deverá ultrapassar 36 meses. No entanto, os arguidos que têm recursos financeiros vão impugnando as decisões para provocar a expiração do prazo de prisão preventiva e a sua soltura, e fuga”.

OACV preocupada

Declarações que levaram a Ordem dos Advogados (OACV), em comunicado, a “expressar sua profunda preocupação em relação a tais declarações” classificando-as como “extremamente graves e contrárias aos princípios fundamentais do Estado de Direito e da Justiça”.

No comunicado assinado pelo Bastonário, Júlio Martins Júnior, a Ordem dos Advogados defende que as declarações de Benfeito Mosso Ramos “comprometem a confiança pública no sistema de justiça e desrespeitam os direitos constitucionalmente assegurados a todos os cidadãos” e acrescenta que a “Constituição da República de Cabo Verde garante o direito ao recurso, como um mecanismo essencial para assegurar que as decisões judiciais possam ser re-analisadas, corrigindo possíveis erros e garantindo a justiça de forma que o cidadão se sinta totalmente convencido de que a decisão tomada respeitou todos os seus direitos”.

O recurso, defende a OACV, é “um factor de racionalidade do sistema de justiça” e, por isso, qualquer “tentativa de limitar este direito fundamental é um ataque directo aos princípios democráticos e aos direitos humanos”.

“As garantias existentes em Cabo Verde são as normais e necessárias num Estado de Direito Democrático e destinam-se a assegurar os direitos e liberdades fundamentais”, acrescenta ainda a Ordem.

Contrariando a ideia de Benfeito Mosso Ramos de que em Cabo Verde “há um excesso de garantias no sistema judicial” a OACV defende que “existe até um défice de garantias em Cabo Verde, visível, por exemplo, no âmbito do Contencioso Administrativo e na morosidade injustificável na prolação das decisões judiciais”.

“Com aquelas declarações”, prossegue o comunicado da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, “o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Cabo Verde, nega-se a si próprio, pois o Supremo Tribunal de Justiça é, sobretudo, uma instância de garantias, um tribunal da cidadania. Pelo que fica-se sem perceber a crítica feita ao sistema de garantias vigente em Cabo Verde”.

A terminar, a OACV declara que “não pode deixar de manifestar, também, que as declarações do Senhor Presidente do STJ denunciam claramente um desagrado em relação àqueles que, na defesa dos seus direitos, recorrem para as instâncias judiciais superiores, o que pode significar uma menor imparcialidade na análise dos recursos submetidos ao STJ”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1173 de 22 de Maio de 2024.

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Autoria:André Amaral,26 mai 2024 14:32

Editado porAndre Amaral  em  9 dez 2024 23:26

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