OProjeto de Proposta de Lei, como informou em Março o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, define as bases e medidas de prevenção, redução, disponibilização, consumo, venda, publicidade, patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas e o regime jurídico de testes e exames médicos.
São medidas concretas, que actuam sobre várias vertentes da problemática, pretendendo travar o uso abusivo de bebidas alcoólicas e os males pessoais, familiares e sociais que daí advêm, mostrando a preocupação do executivo nesse desiderato.
Na apresentação, na sequência da aprovação do diploma no Conselho de Ministros de 29 de Março, o governante porta-voz da reunião, salientou que o executivo considera que esta iniciativa legislativa terá um impacto grande no combate ao alcoolismo e na melhoria da saúde pública dos cabo-verdianos.
Apesar do potencial impacto, a Proposta de Lei só deu entrada na Assembleia Nacional em Agosto, cerca de cinco meses depois da sua aprovação pelos ministros, num hiato de tempo que não costuma ser tão alargado. Aguarda ainda agendamento para subir à plenária.
O que diz a proposta
Reconhecendo o alcoolismo como um importante problema social e de Saúde Pública, “diretamente ligado aos problemas de relacionamento, de violência, de absentismo laboral e escolar, de sinistralidade rodoviária e acidentes de trabalho”, assume-se, nesta proposta de lei, a necessidade “crucial de reforçar o controlo do uso de bebidas alcoólicas em Cabo Verde, especialmente através de medidas legislativas”.
Assim, esta proposta de lei vem regular um conjunto de questões, começando pelas restrições à disponibilização, venda e consumo de bebidas alcoólicas. A este nível, a proposta estabelece a proibição em cantinas, quiosques, barracas e mercearias; em máquinas automáticas; em postos de abastecimento de combustível localizados nas estradas ou fora das localidades. No entanto, permite, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas em espaços que já têm sido contestados como os Festivais. Nos supermercados e outros estabelecimentos comerciais de autoserviço, os espaços de exposição de bebidas alcoólicas devem ser delimitados e ter avisos de proibição visíveis.
É também proibida a venda de bebidas alcoólicas e mesmo a instalação de estabelecimentos onde estas se vendam, a menos de 200 metros de qualquer espaço de ensino ou educativo.
A proposta estipula ainda que os menores com idade igual ou superior a 16 anos podem estar em “locais de diversão de carácter recreativo ou cultural onde não se vendam bebidas alcoólicas”. Mas só até às 24h.
Passa também a ser proibida “a venda a retalho de qualquer bebida que não tenha um certificado de origem, rótulo e selo de qualidade”.
Nos locais de trabalho, e respectivos espaços de refeição, sejam públicos ou do sector privado, fica interdito o consumo e venda de álcool, bem como de qualquer forma de publicidade de bebidas alcoólicas. Ao pessoal dirigente é-lhes pedido maior envolvimento, inclusive para ajudar os trabalhadores com problemas de alcoolismo e assegurar a sua reinserção, mas também na prevenção.
O diploma inclui ainda o “regime jurídico da realização de testes, exames médicos aos funcionários públicos, agentes e trabalhadores”, sendo que todas as questões relacionadas com o consumo do álcool, incluindo as decisões disciplinares relacionadas com esse consumo tem de ser comunicadas à Comissão de Coordenação do Álcool e outras Drogas (CCAD).
Quanto às sanções, no geral, é estabelecido o rol das mesmas e os valores: vão de 10 (contraordenações leves) a mil contos (contraordenações muito graves), se o infrator for uma pessoa singular, e de 100 a 1500 contos, se for pessoa coletiva. 60% do produto das coimas aplicadas reverte para a CCAD; 15% para a Polícia Nacional; 15% para Inspeção Geral das Atividades Económicas e 10% para a Polícia Municipal.
Este diploma vem ainda alterar a lei que proíbe a condução sob efeito do álcool, baixando-se para 0,5 g/l o limite legal de taxa de álcool no sangue e alterando-se os valores das coimas (que passam a ser de 25 contos a 250).
De igual modo é alterado o Código de Publicidade ditando-se que passa a ser “proibida toda e qualquer forma de publicidade a bebidas alcoólicas que instigue o seu consumo”, em qualquer suporte. Fica também proibido o patrocínio e promoção de bebidas alcoólicas, “incluindo atividades que envolvam conteúdo visual ou texto produzido pelos consumidores”.
Por seu turno, “Os locais autorizados para a venda de bebida alcoólica, nomeadamente, bares, restaurantes e locais de diversão noturna ficam proibidos de realizar descontos e promoções do tipo consumo mínimo, livre ou open bar”. Nos materiais de comunicação ou publicidade de eventos, também não pode haver qualquer menção, directa ou indirecta, a marcas de bebidas alcoólicas.
Dois anos de “Menos Álcool, Mais Vida”
Faz este mês dois anos que arrancou “Menos Álcool, Mais Vida”, uma campanha que pela positiva, como destacou o coordenador da campanha, Manuel Faustino, em finais de Fevereiro, conseguiu que a problemática do uso abusivo do álcool fosse tratada publicamente.
“É um grande ganho, mas manifestamente insuficiente”, disse. O consumo, admitiu então, não foi reduzido.
Entre as medidas necessárias para combater o problema, o responsável apontou ser a necessidade de legislar sobre as taxas de álcool na condução. “Temos taxas muito altas (0,8g/l)”, apontou. A nova proposta de lei, a ser aprovada, irá reduzir a taxa de alcoolémia para 0,5 g/l.
Na altura, Manuel Faustino defendeu também banir ou, pelo menos, restringir muito a publicidade a bebidas alcoólicas, algo que é igualmente contemplado nesta proposta de lei, que prevê a proibição de qualquer forma de publicidade de bebidas alcoólicas.
Esta é portanto uma lei que já contempla muitas das preocupações concretas apresentadas no âmbito desta campanha, que conta com o alto patrocínio do Presidente da República, o apoio da Organização Mundial de Saúde (OMS) e mobiliza mais de 60 entidades, nomeadamente departamentos estatais, autarquias, ONGs, universidades, escolas, entidades desportivas, sindicatos e congregações religiosas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 883 de 31 de Outubro de 2018.