Conceitos básicos sobre a Preservação do Património Cultural (I)

MANUEL SPENCER LOPES DOS SANTOS - Aquitecto
MANUEL SPENCER LOPES DOS SANTOS - Aquitecto

“Tivemos um período em que a tendência era apagar, ao ponto de haver uma ideologia de apagar o passado e de construir a prazo coisas que rapidamente desapareciam.”

I - Introdução

O património cultural de um povo, é produto de uma escolha. Ou seja, é o que é significativo para esse povo.

Por exemplo: o Escudo, unidade monetária básica utilizada em Cabo Verde.

São os valores atribuídos às coisas e aos lugares que lhes dão significado e que os transformam em património.

Preservamos o património para que um bem ou conjunto de bens continue fazendo parte da vida das pessoas, inclusive adquirindo novos usos e significados. Um exemplo ilustrativo na cidade da Praia, é o edifício da antiga Alfândega na cidade da Praia, construído cerca de 1850 e que, atualmente é utilizado como Arquivo Nacional.

As políticas de preservação trabalham com a dialética (oposição) lembrar – esquecer. Isto é, a construção de uma memória privilegia certos aspetos e esquece outros. A atribuição de valores aos bens culturais, seja pela comunidade seja pelos órgãos oficiais, indica o que vai ser preservado ou não.

II - O outro significado das demolições

É preciso continuar a mobilizar a sensibilidade dos vários atores da sociedade Cabo Verdiana em torno da necessidade de salvaguarda dos bens nacionais pois, infelizmente, constata-se que no contexto local, há cada vez menos rodeios em alterar, (por dentro e ou por fora) e até mesmo em demolir as construções antigas, apesar de haver leis internacionais e nacionais, regras e planos aprovados. Aliás, fenómeno idêntico terá acontecido em outras latitudes da Europa. Vidé entrevista ao renomado Arq. Álvaro Siza in Revista Expresso Nº 1523 Janeiro 2002, pag.32).

As demolições exprimem, geralmente, o jogo de tensões existente nas cidades, porque dão sentido ao tema da convulsão, do tempo das excitações e de eventuais fraturas. Ademais, a direção enviesada das demolições permite enxergar o sentimento de que o antigo era e ainda é, símbolo de atraso da cidade colonial pelo que deve ser apagado ou ocultado para poder deixar surgir a construção do imaginário moderno. Todavia, é preciso notar que, para construir a cidade do futuro, não devia haver essa avidez que se nota, no sentido da destruição das construções do passado. Pois, não devemos esquecer que tudo está conectado a tudo. Para termos saúde podemos, mas, não devemos preocupar somente com a alimentação e relegar os exercícios físicos pois, há uma inter-relação entre essas partes. Do mesmo modo, há uma inter-relação entre os edifícios antigos de dois pisos (sobrados) e os edifícios de um piso (habitações urbanas tradicionais de uma porta e duas janelas), portanto, a prática da eliminação dos de menor altura, vai trazer consequências futuras pois, assim como há uma relação entre o corpo humano e a circulação sanguínea do nosso corpo (artérias, veias, capilares) também há uma relação entre o aglomerado urbano e o seu sistema viário (avenidas, ruas, vielas). Para além disso, eliminar os edifícios antigos hoje não vai apagar ou ocultar a história da arquitetura do tempo colonial nem tão pouco impedir ao cidadão comum de fazer a comparação entre os edifícios mais altos e os mais baixos desse tempo, que vêm sendo demolidos nos centros históricos de Cabo Verde. Até porque, para que venhamos a ter, por exemplo uma arquitetura nossa, é preciso recorrer ao nosso passado. E, todo o esforço nesse sentido devia ser bem recebido pois, convém perceber o mundo com foco na harmonia.

Toda esta situação que vem acontecendo, é resultado de como cada um percebe o mundo. Ou percebemo-lo com abundância bastante para todos, ou como um mundo de escassez e cheio de sacrifícios!

O certo é que o vencedor nunca está em conflito com o seu mundo. Ele está em harmonia com as situações pois, tudo que é preciso, é mudar o seu foco. E, isto vem acontecendo por carência de educação patrimonial e ambiental de base, que é necessário implementar e difundir, para ajudar o cidadão com mais ou menos instrução, a descortinar. De contrário iremos regredir sob o pretexto de estarmos no caminho do progresso.

III - “Conselho de Defesa do Património Cultural”

Pretendendo dar continuidade e utilidade ao importante Inventário do Património Nacional elaborado e divulgado pelo IPC, Instituto do Património Cultural de Cabo Verde, é de se apoiar a adoção de uma estratégia de intervenção na qual seja incluída a criação de um organismo coletivo, que seja capaz de zelar para o reforço da preservação de bens imóveis e de objetos de arte, recriar o passado, solidificar mitos, ordenar factos, selecionar monumentos, edificações militares, religiosas e civis, enfim, de desconcentrar todo o trabalho (responsabilidade) que repousa sobre o IPC, e, cujo nome poderia ser, eventualmente, e apenas por exemplo, Conselho de Defesa do Património Cultural das Cidades (CDPC) de modo que:

- possa ser aprazível o equilíbrio entre o impacto do edificado e a imagem do conjunto;

- seja iniciada a jornada de aceitação do passado que, sendo ele bom ou mau, existe, existirá sempre, e nunca poderá ser apagado.

Este organismo cuja criação já tinha sido sugerida no conteúdo da publicação do signatário denominada “Conservação do Património Construído”, lançada em Dezembro de 2018, (página 100) existe em França e no Reino Unido desde o século XIX e, também foi criado, no Brasil nomeadamente, e levou à criação do cargo de inspetor de monumentos históricos.

Funções e Membros

Este Conselho de Defesa do Património Cultural (CDPC) propõe, acompanha, delibera, fiscaliza e promove ações em prol da história e da memória da respetiva cidade. É constituído por membros efetivos da: Sociedade Civil, Entidades de Classe, Universidade(s), Procuradoria Geral do Governo e seus respetivos suplentes, de entre outros.

Fundo para Funcionamento

Para seu funcionamento é necessário criar um Fundo que será gerido através de uma conta especial (cuja afetação será decidida oportunamente para o IPC ou, para a Câmara Municipal de cada cidade) em nome do Conselho Deliberativo do Património Cultural de cada cidade, que tenha núcleo histórico. O Fundo servirá para cobrir as despesas de funcionamento desse órgão.

Periodicidade das reuniões

O CDPC reunir-se-á semanalmente ou quinzenalmente, para deliberar sobre os processos que lhe são apresentados, relativamente ao Património Cultural do respetivo município.

Deve-se reconhecer que este Conselho tem-se revelado como uma peça fundamental nas práticas de preservação do Património Cultural em outros países.

[Continua no próximo número].

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1073 de 22 de Junho de 2022. 

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Autoria:MANUEL SPENCER LOPES DOS SANTOS - Aquitecto,27 jun 2022 8:40

Editado porAndre Amaral  em  27 jun 2022 8:40

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