Afectivo porque me criei contigo e através de ti compreendi os outros e o mundo diferente. Também foste a minha Língua maternal primeira. Minha mãe ninou-me, embalou-me com canções que tu moldaste.
Instrumental, porque contigo aprendi as primeiras letras, os primeiros números, os livros que me acompanharam a vida toda. Os conhecimentos, os conceitos e as ideias que conceptualizei foram todas, quase todas adquiridas graças a ti.
Por meio de ti cheguei a outras culturas, a outros escritores, a poetas, filósofos, pensadores e artistas vários.
Contigo alarguei o meu horizonte, consolidei as fundamentações das minhas convicções e do meu estar no mundo.
Afinal, também sou o que sou – mesmo na minha dimensão crioula que tu criaste – muito graças a ti!
Mil vezes obrigada! Minha bela Língua! Por tudo que me deste e como uma boa mãe, sem nada pedir em troca.
A Língua portuguesa em grande e actual expansão
Enquanto na China se aprende a Língua portuguesa...Cabo Verde tenta paulatinamente banir o seu uso quotidiano e a sua oralidade...
Uma tristeza oceânica atinge-me ao pensar no que acima escrevi!
Pois bem, ao ver – em programas televisivos, ao ler textos estatísticos – o crescente interesse dos chineses em aprender a nossa língua; fico extasiada e feliz. Mas logo de seguida, sou assaltada por uma espécie de mal-estar ao pensar no malefício que auto-infligimos, ao desprezar nas escolas, este veículo linguístico, o mais importante para a devida escolarização e cultura das nossas crianças e adolescentes.
Centrando um pouco no interesse da Língua portuguesa na China, gostaria de acentuar que não é numa parte qualquer da China que mais se revela este crescente interesse, mas sim, em zonas, regiões ou províncias das mais desenvolvidas daquele grande mundo. Em Xangai, (em escolas primárias, liceus e em mestrados da Universidade de Relações Internacionais) em Pequim, idem. São nessas zonas e em outras similares, onde existem de facto, uma demanda crescente do ensino e da frequência às aulas da Língua portuguesa.
Quanto a nós, aqui nas ilhas, continuamos deliberadamente, ou não, a perder esta incomensurável riqueza de que somos também donos: a Língua portuguesa uma das mais antigas línguas latinas e de todo, das mais belas e cultas, em grande expansão no mundo global. Estamos a perdê-la sem parar para pensar no mal profundo que se está a provocar nos estudos, no desenvolvimento técnico, científico do País.
Diria que nos comanda um sentimento maligno de auto-destruição linguística.
Os resultados catastróficos, estão à vista: alunos cada vez mais mal preparados, por professores que não sabem falar e nem redigir em português e ainda por cima, muito pouco cultos no geral.
Ninguém faz alguma coisa para inverter o hediondo crime lesa-língua, que se está a cometer nestas ilhas? Neste país que merecia melhor sorte nas escolas?
E não bastando tudo isto, teimosamente, continuamos a enviar alunos, alguns, com rótulo de “bons alunos” a formar em Universidades de Língua Portuguesa. Infelizmente, a maioria dos nossos alunos não sabe nem escrever e muito menos falar, expressar-se na Língua comum. São – regra geral – mal sucedidos, porque não compreendem o que os professores lhes dizem nas aulas e não compreendem também os conceitos explicados nos livros.
Quando assim sucede, é o fracasso da formação pretendida. Eles e elas tentam esconder a sua frustração, o seu desvio de um programa de futuro, de vida, entrando e engrossando a considerável emigração clandestina. Assim vai, com excepções é certo, o perfil dos estudantes que enviamos para os Politécnicos e para as Universidades portuguesas.
Ora bem, Estamos a querer comemorar, celebrar os 40 anos de ensino superior nacional. Sim, seria de louvar, teria razão de ser se a evolução fosse comparativa e gradualmente (com o passar do tempo) positiva. Mas para mal, e para o agravamento dos nossos pecados, a formação nacional universitária tem vindo a ficar muito aquém daquilo que é expectável num patamar académico superior.
Vamos a um pequeno jogo: suspendamos uns segundos no tempo, e pensemos por instantes, num “setemanista” ou, num aluno do 1º- e 2º- anos do curso complementar do passado dos liceus cabo-verdianos, e num formado actual e intitulado “licenciado” “mestre” ou “doutor” das universidades cabo-verdianas. Façamos uma “sabatina” imaginária. Não tenho a menor dúvida sobre qual deles recairia a vitória. É muito confrangedor, mas é a pura e a dura realidade. Haverá excepções. Repare-se: excepções, apenas isso!...exagero? ricatura?...antes fosse.
Minha gente: a nossa aposta presente e futura deve ser nas escolas, com a língua veicular do ensino em plenitude, porque é através da Língua comum, a portuguesa, que os conceitos vêm escritos e descritos em manuais de Leitura, em manuais de aprendizagem científica, técnica e filosófica. Sejamos minimamente pragmáticos e objectivos!
Quando ouço, na comunicação social, professores a falarem em crioulo porque não sabem expressar-se em português, e para piorar a situação, através de uma linguagem pouco elaborada, paupérrima, e nada abonatória em termos do saber e da cultura de um docente; digo para os meus botões: “o País retrocedeu! O País está a retroceder...”
Ambos os artigos foram publicados no http://coral-vermelho.blogspot.com
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 910 de 08 de Maio de 2019.