Quais serão os principais impulsionadores e obstáculos do PIB de Cabo Verde em 2024?
Vemos que a taxa de crescimento do PIB de Cabo Verde, independentemente de declarações que expressam mais desejos do que factos, além de ter estado baixa (inferior a 8-9%), está com alguma tendência para a estagnação, à volta de 4-5%. As alavancas do seu crescimento têm sido a ajuda externa, as remessas dos emigrantes e as receitas do turismo e actividades conexas, nomeadamente as viagens internacionais. A este ritmo de crescimento, só daqui a 20-25 anos atingiremos um rendimento de 10.000 USD per capita. É claro que nessa altura, os outros Pequenos Países Insulares das Caraíbas, Índico e Pacífico estarão nos 25 ou 30 mil dólares per capita. Cabo Verde e o seu “irmão” São Tomé e Príncipe teimam em ficar na cauda dos SIDS. A tão propalada criação de plataformas ou hubs ou ainda o Centro Internacional de negócios, são nomes sonantes, mas não têm trazido os resultados esperados. Que fazer? Revisitar as estratégias e os monitores destas estratégias.
Tem experiência no turismo, na aviação, na banca, quais serão os sectores mais promissores do país?
A aviação nacional, ou melhor, a conectividade aérea, quer interna ou externa, não tem sido um sucesso. Esperava-se muito mais. Infelizmente, não tem havido coragem para se atacar aos verdadeiros problemas, com gente competente e experiente na matéria. O conhecimento adquire-se e exige-se um determinado tempo para a sua aquisição. Também, em muitos casos, justifica-se a sua compra no mercado mundial. A TACV continua a ser uma companhia frágil e deficitária, portanto, a funcionar com muitas debilidades. Felizmente, a TAP Air Portugal tem vindo a colmatar as brechas e até a estimular a procura no sector aéreo, reforçando a conectividade de Cabo Verde com o mundo, via Lisboa. Ou seja, do tão propalado hub no Sal, nós é que estamos a ser beneficiados pelo hub de Lisboa. O transporte aéreo interno precisa de uma reformulação completa, a fim de reforçar a principal artéria de circulação de pessoas no país. O sector marítimo também não foi bem-sucedido. Além de ser um sorvedouro de recursos públicos, por causa de acordos mal negociados, onde o Estado subsidia o concessionário num formato irracional, esse mesmo Estado agora decidiu mandar fabricar navios na Grécia.
Como vê este início de ano com o governo a apostar na privatização da Caixa?
Primeiro, há que frisar que se trata de uma reprivatização, porque essas ações já pertenceram no passado à GEO-CAPITAL. Segundo, devemos reconhecer que reduzir a presença directa do Estado num sector altamente regulado é um bom sinal ao mercado. Assim, podemos dizer que neste aspecto o ano começa com alvoroço e expectativas positivas e todos desejamos que o processo seja bem-sucedido. Tendo a CECV um accionista institucional e nacional forte como o INPS, seria desejável que no rol dos novos accionistas aparecesse algum banco ou instituição financeira estrangeira que pudesse trazer mais-valia e reforçasse as relações internacionais da CECV, nomeadamente as relações correspondentes e de transações internacionais. Repetimos que a transferência das acções da posse do Estado para o sector privado é sempre um bom sinal
Como é que a Operação Pública de Venda pode contribuir para o desenvolvimento económico do país?
Do ponto de vista encaixe financeiro, não muda muita coisa para o Estado. Estamos a falar apenas de cerca de um milhão e quinhentos mil contos (14 milhões de euros). Mas se houver uma grande afluência do público à Bolsa de Valores para a compra, isso significará uma confiança na economia do país, no próprio banco em causa e também uma mudança de atitude dos cabo-verdianos na aplicação das suas poupanças. Mas não devemos esperar um milagre, em resultado disso.
Acha que esta Operação Pública de Venda pode fortalecer o ambiente de negócios do país?
É sempre possível, porque mexe com as pessoas e pode induzir a um novo dinamismo nos negócios. Isso pode provocar o aumento da confiança e um renascimento do entusiasmo das pessoas na nossa economia nacional e seu crescimento. Ora quem faz a economia são as pessoas, os operadores, os investidores, grandes e pequenos, e os consumidores. Vamos esperar e ver como vai decorrer a venda na Bolsa de Valores de Cabo Verde.
Acredita que esta Operação Pública de Venda pode impulsionar o investimento directo estrangeiro? Atrair capital externo? O que se ouve nos bastidores?
Considerando o preço total das acções, estamos a falar de um montante pequeno (14 milhões de euros) para o investimento estrangeiro. Infelizmente, considerando que o fluxo de IDE nos últimos 6-7 anos não tem tido um bom desempenho, esta operação não vai ter grande impacto no tema. Aqui temos de nos sentar e analisar o que vai bem e o que não vai bem na área de atração do investimento directo estrangeiro e fazer renascer o processo.
Há mais empresas públicas com potencial de venda para aproveitar as oportunidades de investimento?
Empresa com potencial de venda, talvez seja a Emprofac, se for bem negociada e conduzir efectivamente a uma redução dos preços dos medicamentos. Contudo, da lista publicada das empresas para a privatização, eu excluiria imediatamente a ENAPOR. Não devemos falar da privatização dos portos ou da sua gestão, mas sim da internacionalização dos portos de São Vicente e/ou da Praia. Isso implica discutir directamente com os 3-5 maiores operadores de contentores na região do Atlântico Médio, solicitar-lhes propostas claras para impulsionar o transhipment. Todos os investimentos devem ser por conta e risco do interessado/candidato que deve ter presença muito forte no sector e ter capacidade financeira, directa ou indirecta, para fazer os investimentos necessários e forte presença no mercado. Ou seja, será uma deslocação de operações que já existem algures para os portos de Cabo Verde.
Como é que a instabilidade política global, com conflitos e turbulências geopolíticas, afectará a economia de Cabo Verde em 2024, considerando riscos como guerra comercial, ou migração em massa?
O mundo está em plena transformação, com passagem do mundo unipolar, desde 1992, dominado pelos EUA para um mundo multipolar, ainda sem contornos claros e sem um mecanismo claro de partilha e assumpção de responsabilidades colectivas, quer políticas, quer económicas, comerciais e militares. Ao seguir cegamente os EUA na sua guerra híbrida contra a Rússia com a instrumentalização da Ucrânia, a Europa calculou mal e mostrou demasiada subserviência, ou mesmo falta de independência e agora está a sofrer as consequências económicas, comerciais, políticas e humanas. Cabo Verde, que tem sido um elemento passivo e confuso no mundo ocidental, acaba por sofrer com os efeitos da recessão na Europa. E, repito, a CEDEAO não é e nem poderá ser alternativa para a nossa inserção na economia mundial. Assim, devemos continuar alinhados e reforçar as nossas relações com os EUA (apesar dos seus erros estratégicos) e com a União Europeia, na esperança de que esta crise não será muito duradoura e então poderemos tirar proveito do relançamento económico que se seguirá. Nada de simplicidade no raciocínio, acreditando que a China ou outros países do Sul Global poderão ancorar ou alavancar o nosso desenvolvimento. Cabo Verde é uma parte, adormecida no Atlântico, à espera de confirmar o seu lugar no contexto da União Europeia e organizações do Ocidente, como a NATO, que necessariamente deve rever a sua ambição expansionista e concentrar-se na proteção e reforço da segurança no Atlântico Norte, onde Cabo Verde desempenhará um papel importante no vértice sul (Atlântico Médio). Quanto à emigração, devemos endurecer as condições de estabelecimento e residência e dissuadir os emigrantes clandestinos que querem usar Cabo Verde como corredor ou trampolim para a Europa.
Se tivéssemos de escolher apenas um acontecimento, o que vai marcar este ano?
O ano de 2024 será fortemente marcado pelo choque da 3ª revolução da Previdência Social (INPS). Ao decidir pôr fim ao aproveitamento ocioso, escandaloso e indevido que uma parte importante da banca nacional vinha fazendo dos seus recursos, que eram e ainda são ali detidos à ordem, sem nenhuma remuneração, o INPS acordou para aquilo que é de facto a sua missão. Proceder à cobrança das contribuições sociais obrigatórias junto dos empregados e empregadores (trata-se de uma poupança forçada) e rentabilizar os recursos colectados para garantir a sua perenidade e poder sempre pagar as pensões e prestações sociais aos seus membros. Ademais, no quadro da luta para a redução da pobreza, essa nova política vai permitir não só melhorar e aumentar as prestações sociais, como também aumentar as pensões. O aumento dos rendimentos a colher dos novos investimentos e aplicações será a fonte dessa melhoria e da imagem do INPS junto dos seus membros. Dizer que os empregadores também ganham com isso. Ao melhorar as prestações sociais, o INPS está a aumentar o salário real dos trabalhadores, o que reduzirá a pressão dos sindicatos para o aumento do salário nominal. Assim, o INPS posiciona-se como a instituição central no xadrez económico cabo-verdiano e o seu timoneiro, Mário Rui Lopes Fernandes, será, para o bem e para o mal (de alguns), a figura do ano.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1154 de 10 de Janeiro de 2024.