“Não queremos continuar a ser um destino de proletários. Não tenho nada contra os proletários, foram os que nos permitiram arrancar com o turismo, mas queremos dar o salto e para isso temos de melhorar o que oferecemos”, diz ao Expresso das Ilhas o economista Victor Fidalgo. “Com um novo produto, teremos um novo consumidor. Em vez de termos os que gastam 7 ou 8 contos por dia, vamos pensar nos que gastam 15 a 20 contos por dia. Temos de ter uma política muito clara, sem demagogia. Se conseguirmos fazer pequenas mudanças nos próximos dois anos, podemos dizer que fizemos o trabalho de décadas” refere o consultor.
“Em vez de olharmos apenas para a quantidade”, sublinha o especialista, “interessa a receita por turista. Se conseguirmos aumentar a receita por turista para, pelo menos, 50%, aí ganharíamos muito mais e não iríamos sobrecarregar o solo”.
No fundo, defende Fidalgo, o país deve focar-se na qualidade, na reestruturação e requalificação daquilo que existe. Melhorar a qualidade como principal objectivo nos próximos tempos. “Nós partimos praticamente do zero. Vimos crescendo. Não tínhamos um conhecimento profundo do que era o turismo. É fazendo no dia-a-dia que vimos aprendendo. Depois da Covid, queremos mais uma mudança”.
Em 2021, mostraram os números do INE há poucos dias, o número de hóspedes que procurou Cabo Verde foi de cerca de 170 mil. A ilha do Sal foi a mais visitada pelos turistas, representando cerca de 45,1% das entradas nos estabelecimentos hoteleiros, seguida da ilha de Santiago com 25,2% e da Boa Vista, com 13,7%. Curiosamente, comparando com 2019, ou seja, antes da pandemia, houve uma troca entre Santiago e a Boa Vista. Há 3 anos, o Sal recebeu 45,5% do total nacional de turistas, seguida da ilha da Boa Vista com 29,4% e de Santiago com 11,7%.
Estes são os números do passado. Os do futuro, ou do novo turismo, assentam numa série de objectivos que estão no Programa Operacional do Turismo (POT), apresentado no passado mês de Março, e que tem metas como 1,26 milhões até 2026, ou atingir 40% entradas de turista em outras ilhas que não Sal e Boa Vista, também até 2026.
“É normal que levemos turismo às outras ilhas, mas não é tirando do Sal ou da Boa Vista, é expandindo”, diz Victor Fidalgo. “Nesse aumento do fluxo turístico é que podemos integrar as outras ilhas, mas isso acontece com o tempo, não por decreto. É necessário que o investidor e o operador que traz os turistas esteja convencido que o produto lá é bom. Se não, não vale a pena”.
“Não se pode obrigar os turistas a ir às outras ilhas”, resume o economista. “Um turista que quer sol e praia não vai para Santo Antão, nem para o Fogo. Vai para o Sal, para a Boa Vista, eventualmente para São Vicente e Santiago. A massa do turista que vem para Cabo Verde tem como motivação o sol e a praia, não é o vulcão do Fogo, nem as montanhas de Santo Antão ou de São Nicolau. Nem quer visitar a casa de Cesária Évora, ou provar a nossa culinária. A comida italiana, francesa, até a tailandesa, atrai turistas, mas a cabo-verdiana… Vamos pôr os pés no chão”.
A integração na cadeia de valor
Outro dos objectivos referenciados ao longo dos anos tem sido o de integrar o turismo na economia local, distribuindo assim a riqueza criada pelo sector. Mas para Victor Fidalgo esta vontade é mais demagógica do que real.
“O Sal, na época alta, pode ter por dia 5 mil turistas. Se 10% resolve ir comer em Santa Maria, há capacidade para oferecer 500 refeições na cidade? Em restaurantes de qualidade? Fala-se que o turista tem de sair dos hotéis, mais tem de sair para onde?”, questiona o economista.
O mesmo, sustenta, para a meta de ter mais fornecedores locais a abastecerem as cadeias hoteleiras. Mais uma vez, diz o consultor, tal objectivo é uma fantasia. “Vamos pôr de lado os hotéis. Na Praia, ou em Santo Antão, ou no Fogo, na hora do almoço ou jantar, o que é que cada cabo-verdiano consome que não é importado? Se formos a qualquer supermercado, qual é a percentagem de produtos locais que podemos comprar? Portanto, falar em integrar a produção nacional na cadeia de abastecimento dos hotéis parece de pessoas que não sabem do que estão a falar”.
O POT identificou como problema central do turismo cabo-verdiano o facto de o produto ser pouco qualificado e diversificado. E deu igualmente as soluções, se forem resolvidos os principais constrangimentos relacionados com a infraestruturação de base, conectividade, modelo de governação, se forem aproveitadas as potencialidades do património natural e cultural, alicerçado numa estratégica de marketing moderna e coerente, o governo acredita conseguir tornar o produto turístico mais qualificado e diversificado, com efeitos na melhoria da sustentabilidade do destino, no aumento e desconcentração do fluxo turísticos para todas as ilhas, no aumento das despesas realizadas pelos turistas no destino e ainda diversificação dos operadores e mercados emissores, com consequências a nível da maximização dos impactos económicos e sociais do turismo na generalidade das ilha, no desenvolvimento da cadeia de valor do turismo e na competitividade do destino.
Victor Fidalgo considera que o POT tem boas ideias, mas também avisa que não se devem tentar passos exagerados. “Sabe qual pode ser o nosso motivo de orgulho? Veja-se o exemplo do novo hotel RIU no Senegal, 50 funcionários cabo-verdianos foram para lá. Podemos não exportar mandioca, ou atum, mas podemos exportar mão-de-obra qualificada”.
“E é importante vermos a competitividade de Cabo Verde, tanto fiscal, como também na produtividade do sector turístico”, conclui o economista, “porque para o operador a questão é: quanto rende uma cama em Cabo Verde e quanto rende essa mesma cama no Senegal? Ou outro destino. É a partir daí que ele expande os investimentos e vai para onde tiver mais rendimento por cama, não é porque gosta mais desta praia ou daquela. É rendimento por cama. Cama que rende mais é onde se constrói o novo hotel”.
Os investimentos prioritários
O economista Victor Fidalgo aceitou fazer para o Expresso das Ilhas um exercício sobre as requalificações que deveriam ser feitas nas principais ilhas turísticas para melhorar ambos os destinos. Para o consultor, com estas alterações, Cabo Verde estaria a posicionar-se para atrair um turista diferente.
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Investimentos prioritários no destino Sal
1. A chamada ciclovia que vai da Rotunda de Vila Verde até Club One deve ser prolongada até à rotunda do Pirata e alargada e transformada em via pedonal. (Investimento Público)
2. Igualmente, esse troço deve ser iluminado para permitir a circulação pedestre à noite, com alguma segurança. (Investimento Público)
3. Na Avenida dos Hotéis, há que refazer o piso pedonal, com asfalto ou paver, de modo a permitir que os peões possam andar ali com conforto. A iluminação também deve ser melhorada. (Investimento Público)
4. O calçadão que vai de Pontão até Ponta Sinó, deve ter cerca de 5-6 metros de largura e piso de paver. Os custos desta intervenção devem ser assumidos pelos concessionários das praias. (O financiamento aqui é privado e compulsório)
5. O Estado (Ministério do Mar e Ministério do Turismo) deve encorajar e acelerar todo o procedimento de conceder ao Américo’s Restaurante a estrutura na entrada do Pontão, por um período de 25-30 anos, a fim de a remodelar e realizar o projecto: “Restaurante-Casa do Pescador”. (Investimento privado voluntário)
6. O Pontão deve ser melhorado e reforçado como um miradouro. (Investimento público)
7. Na faixa costeira que vai do Restaurante Palm Beach até “Odjo d’Água” deve-se construir um calçadão em madeira, com cerca de 4 metros de largura. Os donos dos restaurantes, hotéis e moradias particulares, devem contribuir. (Investimento privado e compulsório)
8. Aceleração da valorização hoteleira do lote situado à frente do Salinas Sea, do outro lado da Avenida dos Hotéis. Estimular o promotor com um prazo e Convenção de Estabelecimento.
9. Retoma para conclusão ou demolição da estrutura de “Sal Vista”. Dar um prazo de 6 meses. (Acção privada e compulsória)
10. Demolição nos próximos 90 dias dos restos do pardieiro de ex-empreendimento Esmeralda Beach, pertencente à empresa CABOMAXO. (Compulsório e urgente)
11. Instrução compulsória do Gabinete das ZDTI’s a todos os proprietários dos terrenos (Urbanização da CABOCAN) na Avenida dos Hotéis, no sentido de procederem à limpeza e manutenção dos respectivos lotes. O mais prático é periodicamente (semestralmente) o Gabinete das ZDTI’s fazer isso, através de uma equipa privada e ratear os custos pelos proprietários. (Investimento privado e compulsório)
12. Calcetamento (ou asfaltagem) da estrada que vai de Palmeira a Buracona. Fazer ali um parque de estacionamento pago e áreas de descanso. O parque de estacionamento deve ser concedido a um privado, talvez ao gestor do restaurante existente ali. (Investimento privado e eventual concessão)
13. Requalificação do acesso e do Miradouro de Espargos. (Investimento público)
14. Requalificação do acesso e áreas das Salinas de Pedra de Lume. (Investimento privado compulsório)
15. Proibição de venda ambulante nas praias e penalização dos prevaricadores. (Acção policial)
16. Reforço da presença policial nos principais pontos turísticos, com visibilidade e mensagens pedagógicas e dissuasoras. (Investimento público)
17. Reforço da organização e disciplina dos táxis. Imposição do taxímetro ou fixação e regulamentação periódica de tabelas de deslocação entre as zonas. Isenção de direitos aduaneiros na importação dos equipamentos. (Decisão dos poderes públicos e investimento privado)
18. Discussão com o Ministério do Mar e os hotéis sobre a melhor forma de gerir a manutenção da praia de Santa Maria (limpeza das praias e segurança dos banhistas, investimento privado com monitorização policial)
19. Construção de um parque de estacionamento privado em Santa Maria, nas imediações da pedonal. (Investimento privado após regulamentação)
20. Saneamento das localidades de Espargos e Palmeira. (Investimento público)
21. Solução eficaz ao tratamento do lixo, de modo a erradicar as moscas da ilha do Sal. (Investimento público e ou privado, mas com regulamentação pública).
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Investimentos prioritário no destino Boa Vista
1. Concluir ainda este ano a reconstrução da praça em Sal-Rei que tem estado em ruínas e apresenta um quadro vergonhoso. (Investimento público)
2. Saneamento da cidade de Sal-Rei e localidades de Rabil e Povoação Velha. Ligação obrigatória de todas as casas à rede pública de água e saneamento. (Investimento privado compulsório e público)
3. Requalificar, em regime de urgência, todo o parque habitacional situado entre a rua principal e a orla marítima de Sal-Rei. Investimento público e privado. As casas abandonadas devem ser avaliadas e vendidas em hasta pública, com a obrigatoriedade de remodelação compulsória.
4. Conclusão acelerada da requalificação do Bairro de Boa Esperança (Barraca). (Investimento público com complemento privado)
5. Gestão eficaz da recolha e tratamento do lixo, de modo a erradicar as moscas da ilha da Boavista. (Investimento público)
6. A SDTIBM deve elaborar um plano de calçadão na orla marítima com 5-6 metros de largura e piso em paver (e/ou madeira, em certos lugares) e imputar os custos aos detentores das concessões e/ou terrenos na orla marítima de Chave até Sal-Rei. (Investimento privado compulsório)
7. Solução do problema do pardieiro abandonado do ex-projecto Parque das Dunas. (Acção pública)
8. Medidas cautelares que impeçam que o projecto White Sands se transforme numa ruína.
9. Identificação dos principais pontos de excursão na ilha e melhoria das estradas de acesso e da sua sinalização.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1062 de 6 de Abril de 2022.