Provavelmente, enquanto empresário, nunca deve ter imaginado um pesadelo económico desta dimensão.
Absolutamente, nunca me passou pela cabeça. Não estávamos preparados para isto e agora vamos ter de estar, de modo que todos possamos agir como um só para combater esta crise.
Que impacto podemos antecipar na economia cabo-verdiana?
O impacto é enorme. O primeiro é no turismo, que corresponde a mais de 20% do PIB nacional, e irá retomar lá pelo fim do ano, mas não vai parar. O país está todo paralisado, portanto todos os sectores vão sofrer. Vai haver o impacto nas receitas do Estado, portanto, podemos contar com um buraco grande na economia nacional. Além disso, vamos ter os privados, a indústria, o comércio, os serviços, tirando a indústria alimentar que vai continuar a trabalhar para abastecer o mercado, o resto pára.
De qualquer forma, o governo já pôs em movimento uma série de medidas.
O governo tomou algumas medidas, no sentido de ajudar as empresas e ajudar os trabalhadores, mas essas medidas ainda têm de ser clarificadas. Como é que vamos pôr essas medidas em prática? Neste momento, conhecemos as decisões saídas do conselho de concertação social, mas ainda ninguém sabe como fazer. Anunciaram-se uma série de linhas de crédito, mas ninguém sabe como ter acesso a essas linhas de crédito. Os próprios bancos ainda não foram informados sobre o que têm de fazer para pôr em prática essa decisão do governo. Em resumo, actualmente temos medidas anunciadas, algumas já postas em prática, como a questão dos trabalhadores que forem para casa – as empresas pagam 35% e o INPS paga os outros 35% – mas no que diz respeito à linha de crédito de um milhão de contos para o sector do turismo, o sector não sabe como ter acesso. A linha de crédito de um milhão de contos às empresas também ninguém sabe como ter acesso. A outra linha de crédito de um milhão de contos para o financiamento da liquidez para as empresas, ninguém sabe como ter acesso. Os bancos também ainda não sabem como vão operacionalizar. Portanto, há uma necessidade urgente de clarificar os procedimentos e informar as empresas.
Têm sido contactados pelas empresas nesse sentido?
Está tudo a perguntar como se faz e ninguém respondeu o como. Se não se passar à prática, só teremos medidas vazias. O princípio está bem, a forma como foi feita está bem, agora é preciso saber como, que é a parte mais importante disto tudo. Há que fazer um road show, ter encontros com os bancos, explicar-lhes como tudo funciona. Precisamos de saber as regras de acesso a essas linhas de crédito, como, quando e o que se tem de fazer. Isto é muito importante porque as empresas já começam a sentir a falta, a câmara do comércio tem sido contactada recorrentemente por empresas a pedir informações, algumas temos, mas há outras que não temos. Está convocada uma reunião do comité de crise para analisar a questão da parte económica, mas há que tomar medidas rápidas e eficazes de informação, é uma necessidade urgente. Não é só anunciar, é anunciar e explicar. Por outro lado, em termos de impostos, anunciou-se a suspensão do pagamento e no dia seguinte o ministério das finanças mandou uma circular a todas as empresas a dizer que têm de pagar impostos até ao dia 30 [de Março]. Pagar impostos como? É um pouco contraditório. Ainda por cima está a ser pedido o pagamento de impostos sobre as contas de 2020 que ainda ninguém sabe como vai ser, baseado nas contas de 2019. 2020 vai ser um ano terrível para as empresas, para o Estado, para todos. Estamos a cobrar impostos sobre 2020 quando raramente teremos empresas a dar lucro? Há muita coisa que precisa de ser vista, analisada e discutida para que encontremos as soluções. O governo está atento, quer fazer as coisas como deve ser, mas é preciso bom senso permanente para que, todos juntos, possamos encontrar o caminho certo e seguro para nos ajudarmos uns aos outros a enfrentar a crise. A crise é global, mas a responsabilidade é partilhada, pelo governo, pelas empresas, pelos cidadãos, por todos. Não podemos lavar as mãos e esperar que o governo também resolva tudo, todos temos de fazer a nossa parte e isso tem de ser feito de forma correcta, coordenada e disciplinada. É um problema nacional, por isso, todos os cabo-verdianos somos responsáveis para o resolver, para que possamos sair o mais incólumes possível do que enfrentamos neste momento.
De qualquer maneira, nem todas as empresas poderão ser salvas, nem todos os empregos poderão ser mantidos. É importante dizer também esta verdade?
Absolutamente, estou de acordo. O esforço que está a ser feito é para salvar o maior número de empresas possível e para manter o maior número de empregos. Não é possível fazer tudo, mas é possível esforçarmos-nos para o tentar e tirar o melhor de todos. Com a crise iremos ter um crescimento de zero, para uma previsão que era de 5%.
Por outro lado, acha que a união demonstrada depois da concertação social serviu, pelo menos, para mostrar que não vai ser um salve-se quem puder?
Absolutamente, é extremamente perigoso transformar esta epidemia num salve-se quem puder. Temos de dar as mãos, é uma responsabilidade partilhada por todos para podermos sair desta crise com menos pancada possível.
Tem sido um dos temas mais falados, a nível global, que as coisas nunca mais serão iguais. Enquanto empresário, acha que o capitalismo como o conhecemos, e o funcionamento do mercado como existe, chegaram ao fim?
Não me parece. O mercado e o capitalismo vieram para ficar. O que poderá haver serão pequenos reajustes. O ser humano tem tendência para esquecer rapidamente, dissemos que não pode ser um salve-se quem puder, mas quando as coisas normalizarem vai voltar tudo ao mesmo, vai voltar a corrida ao lucro, à especulação, cada um ganhar mais de forma gananciosa, vai voltar tudo outra vez. Poderá haver um pouco mais de solidariedade? Pode, mas não será muita. O sistema vai voltar para o que estava.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 957 de 1 de Abril de 2020.