O relatório e contas do BCN, relativo a 2018, indica que o banco teve uma performance acima daquilo que foi a média do mercado. Que factores identifica como mais relevantes para estes resultados?
Temos que realçar que comprámos um banco saudável, numa situação sólida, com muito potencial adormecido e uma atitude comercial que não era a mais adequada. A diferença é o foco no cliente. Quando comprámos o banco, e assumimos o controlo, em Abril de 2017, projectámos duplicar os negócios em cinco anos e já estamos muito próximos de atingir o objectivo. Obviamente que também estamos a beneficiar da conjuntura de alguma incerteza de outras unidades bancárias. Todos nós somos oriundos do sector privado e percebemos quais são as teclas certas para tocar no momento certo. Não damos crédito sem segurança, desse rigor não abdicamos. Àqueles a quem não temos condições de dar crédito, quando os projectos não têm viabilidade, respondemos rápido, porque isso também é fundamental. Os resultados do banco são resultados de operação, o nosso produto bancário cresceu. Somos, de longe, o banco com o melhor rácio de transformação, de 80%, quando a média do mercado é de 62%. Há outro factor, a confiança. Tivemos o privilégio de ter sido abordados, logo quando comprámos o banco, pela International Finance Corporation (IFC), que é o braço financeiro do Banco Mundial para o sector privado. Neste momento, temos duas linhas de crédito da IFC. A reputação que este acordo nos deu é de tal forma que a própria IFC está disponível para ajudar na estratégia de crescimento e participar no nosso capital social.
E o aumento do capital é uma possibilidade?
Tudo na vida é uma possibilidade. Não temos necessidade de fazer o aumento do capital, a não ser por nos ajudar a aumentar o volume de negócios, porque estou limitado pelos meus capitais próprios. Por exemplo, há um grupo hoteleiro que trabalha connosco e só lhes conseguimos emprestar um máximo de 5,5 milhões de euros, porque são os limites da regulação. Se os meus capitais próprios fossem maiores, eu poderia aumentar a minha participação. A segunda questão tem a ver com a margem de solvência. Os capitais próprios têm uma ligação directa com a margem de solvência. De 1998 até esta data, a economia praticamente duplicou, mas os capitais próprios dos bancos cresceram apenas cerca de 14%. A capacidade financeira dos bancos, face à economia, é desproporcional. Uma questão que lancei, a nível do Ministério das Finanças, do Banco de Cabo Verde (BCV), junto dos meus colegas de outros bancos, é porque não olhar para estes limites de forma diferente. Estamos a aplicar os mesmos limites de Alemanha ou, indo para uma realidade mais próxima, Portugal ou Espanha. Temos que ver países que tenham realidades económicas similares à nossa.
Por exemplo?
Seychelles e Maurícias. Ver quando as Seychelles e as Maurícias estavam no momento de desenvolvimento económico em que nós estamos agora, qual era o limite. Era o dobro do nosso. A gestão de risco é fundamental, mas as economias, para se desenvolverem, têm de estar devidamente mensuradas.
Há uma gestão demasiado cautelosa, por parte do regulador?
Estamos a importar regulação de países extremamente maduros e com uma dimensão macro. Não se podem aplicar regras de regulação de paises com a maturidade da Alemanha, Portugal e Espanha à nossa realidade económica. Estamos perfeitamente de acordo: regulação é fundamental, é extremamente importante. Agora, temos que adequar o nível de regulação à economia real. A regulação não pode ser um travão à economia e a economia não pode ser selvagem, não sem podem correr riscos à toa.
Apesar dos resultados positivos, continuam firmes na decisão que tomaram em 2017 de não distribuir dividendos por um período de 5 anos.
Essa decisão visa aumentar a capacidade de fazer face aos negócios. Hoje temos uma capacidade de 5,5 milhões, quando chegámos ao banco, em 2017, era de cerca de quatro milhões. Quanto mais fortes estivermos, a nível de capitais próprios, maior capacidade temos de estar nos grandes e bons negócios. É um sinal que quisemos dar ao mercado, ao regulador e aos próprios accionistas.
A vossa carteira de crédito tem vindo a crescer. Em 2018, isso confirmou-se, com um aumento de 26,8% da carteira, em particular no crédito às empresas, que reforçou o seu peso face ao crédito a particulares. Recordo-me de, em 2017, ter dito que a aposta seria precisamente esta.
Claro. Ao sermos muito selectivos no crédito, mesmo aos particulares, estamos a fazer com que tenhamos uma menor taxa de incumprimento, de modo a que eu consiga premiar os bons clientes. Somos intermediários entre aqueles que têm excedente de liquidez e aqueles que têm necessidades de financiamento. Ao diminuir a taxa de crédito em incumprimento, permitimos que os clientes possam beneficiar de taxas mais atractivas.
Acompanhando o aumento da vossa carteira de crédito há um aumento de volume de crédito em incumprimento, mais 16%. Isto reflecte apenas o aumento da carteira ou há outra razão?
O crescimento do crédito faz com que haja algum crescimento do incumprimento. Seria preocupante se o crédito aumentasse 16% e o incumprimento aumentasse 26,8%.
O vosso nível de provisões é bastante alto, nos 101,2%, quando a média do mercado se situa nos 69,5%. Há aqui excesso de prudência?
Para nós é importantíssimo. Isto é uma segurança enorme para os auditores e supervisores. Na indústria financeira, não deves ser surpreendido, a não ser que seja pela positiva. Nós não somos apenas gestores do banco, somos também donos do capital e temos responsabilidades. Não estamos cá de passagem, para fazer resultados e outras grandes performances, com o único objectivo de ter prémios. Estamos cá para consolidar e para que os empresários cabo-verdianos possam ter um papel activo naquilo que é uma das indústrias mais complexas do mundo.
Criaram uma empresa especializada, dentro do grupo, para gerir o património imobiliário, nomeadamente proveniente de créditos que entraram em incumprimento.
É um problema de toda a indústria bancária e o BCN é dos que têm menor problema nessa matéria.
No final de 2018, tinham 54 imóveis em carteira.
São heranças que recebemos, imóveis dos quais temos que nos desfazer. A empresa imobiliária, em primeiro lugar, vai ser responsável pela gestão dos imóveis de todo o grupo. Em segundo lugar, vai dar vazão àquilo que são os activos que estão no balanço do banco e que precisam de ser comercializados.
Na altura em que assumiram o controlo do BCN, referiu a aposta que queria fazer no sector da bancassurance. Olho para os resultados da Impar e vejo que o sector ‘vida’ aumentou o seu peso na carteira da seguradora. Por exemplo, houve um aumento de 33% no seguro de vida de risco puro, um aumento de 7% no sector vida-financeiro…
O efeito visível é esse, mas depois o crédito à habitação traz seguro de incêndio, que é difícil de distinguir no meio dos números. Para emprestar dinheiro para construir uma casa, faz-se um seguro de construção e montagem. Posso dizer que o objectivo é que o negócio gerado pela actividade bancária, dentro da actividade seguradora, represente, nos próximos três anos, mais de 25%. Isto é significativo para um banco que só tem 12 a 13% da quota de mercado.
Leio também no relatório da Impar que a entrada em vigor das novas regras do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, com o aumento do rácio de sinistralidade, vai reflectir-se nos preços cobrados aos clientes.
Não há milagres. Quando se aumentam os limites das responsabilidades, isso tem que se reflectir no preço. Eu sou obrigado a explorar esse ramo não controlando o preço. O preço é fixado pelo Banco de Cabo Verde. As seguradoras não concordaram com o preço fixado, que ficou muito aquém das responsabilidades transferidas, mas há pelo menos o compromisso de avaliação anual. É preocupante quando se tem um aumento de responsabilidades que não está devidamente reflectido no preço. Aquilo que, pelo menos, nos satisfaz é que há disponibilidade de rever anualmente a sinistralidade e projectar alterações. Se só se fizerem aumentos de 10 em 10 anos, quando chegar, vai doer.
Temos assistido a movimentações no sistema financeiro nacional. BCN, Caixa, BCA. O que lhe parece que resultará daqui para o conjunto do sistema?
Em primeiro lugar, nada vai ficar igual. Quando há mudança de paradigma no maior banco isso provoca, imediatamente, alterações no mercado. Agora, o futuro, de alguma forma, preocupa-me, independentemente dessas mudanças. Há uma questão importante que neste momento está a acontecer. Há cinco ou seis anos, os depósitos a prazo eram feitos a taxas de 6 a 7%. Essas taxas eram interessantes para os nossos emigrantes. O dinheiro dos emigrantes representa um terço do total do dinheiro que está no sistema. Se estamos a remunerar os depósitos a prazo a valores cada vez mais baixos, o que vai acontecer? Vamos ter uma capacidade menor de atrair essas pessoas. Temos que perceber para além daquilo que é o efeito imediato. Um crédito habitação nos Estados Unidos custa quatro, quatro e qualquer coisa por cento. Em Cabo Verde, já estamos com bancos, neste momento, a oferecer crédito a 5,5%. Se vendem a 5,5%, vão oferecer taxas de 1,5%, no máximo 2%, para depósitos a prazo, tornando-se cada vez menos atractivo. Os mercados ajustam-se, mas nós somos um país muito desequilibrado.
Sobre a nova sede, explique-me a decisão de concentrar a liderança do grupo neste edifício?
Há um ditado judeu que diz que há três factores fundamentais num negócio: localização, localização, localização. Quisemos dar um contributo para aquilo que é a recuperação do património histórico da cidade. O mercado da Praia é extremamente importante para nós, temos feito fortes investimentos. As origens do grupo estão em São Vicente. A minha vida profissional já me levou a viver no Sal e na Praia. Quando estamos na capital, ou na capital do turismo, só pensamos na demanda específica. São Vicente permite pensar o todo e encontrar as melhores soluções.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 933 de 16 de Outubro de 2019.